sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Da natureza das Deusas Mães

A mãe que concede ao filho o aconchego, a nutrição e as condições necessárias para a criança cresça é a mesma que guarda dentro de si o desapego e a frieza capaz de matar sua cria.

Este aspecto pouco visto e mostrado das Deusas Mães é o tema abordado pelo novo post do blog Cerealia

"Está no âmago das deusas mães da terra a natureza dúbia da maternidade - as que criam e que destroem, as que ganham e que perdem, sempre."

Neste post, a autora abordando o papel das deusas mães, observa que num papel de deusa mãe, aquela que apenas cria - e nunca destrói - é uma deusa incompleta, pois a mãe que possui o poder de dar a vida, é a mesma que possui o poder de tirá-la:

"Para punir homens e deuses, Deméter faz com que não haja colheita. Ou seja, sem alimento,  a mãe priva seus filhos de sua parcela de vida. A nutridora se transforma naquela que nega, que pune e que faz com que todos morram pela privação. Esse é o lado negro de um dos aspectos de Deméter: a mãe que nega sua natureza essencial de nutridora. E com isso traz a escassez e a morte. Eu não acredito em deuses feitos inteiramente de bondade, que cuidam de todos e que amam seus filhos. Dentro dessa perspectiva é muito natural que Deméter seja a mãe que nutre e que mata".

O assunto parece bem simples, mas ele abre um leque abrangente - e polêmico - de diversos outros assuntos. Para ler o texto completo, visite o blog da autora, Cerealia, ou clique aqui.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Àjé - Os Pássaros das Noites Negras das Almas

You, our untamed english reader, may read this clarifying text, Àjé - The Birds of the Souls Darker Nights, from the original source, the Starry Cave, clicking here.

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Àjé - Os Pássaros das Noites Negras das Almas
por Nicholaj de Mattos Frisvold




O termo iorubá àjé, carrega associações com o movimento e a troca — devemos entendê-lo como um mercado noturno exposto em raios de prata. Este mercado noturno é compreendido como uma aglomeração de aves predatórias e de longos bicos.

O conceito de àjé foi igualado no Novo Mundo e no Ocidente Moderno com o termo ‘bruxa’ – e isso é verdade, na medida em que entendemos o que é uma bruxa nas premissas africanas. Àjé é considerado um poder que algumas pessoas possuem por herança, iniciação ou nascimento. É considerado um excesso de àse (poder natural) – e, portanto, deve ser mantido sob controle e em equilíbrio para evitar danos ao portador de àjé e da própria comunidade. Àjé é a profundeza emocionai primordial da feminilidade. Não é uma força geradora – pelo contrário. A doce e graciosa Òsún é o poder gerador e fértil. Àjé e sua mãe Ìyàmí Òsòròngà são esterilidade e alteridade, a feminilidade antes do primeiro sangue e o lamento sobre último sangue. Isso significa que os poderes de àjé agem sobre o campo da possibilidade. Àjé é como o rizoma de um fungo ou como um lótus que se move por milhas sob a terra, manifestando-se em picos de poder aqui e ali – mas sua verdadeira essência é uma rede fosfórica de possibilidades subterrâneas que podem ou não vir à manifestação.

Ifá nos conta que foi na vibração divina conhecida como Odú Òsá Méjí que o poder conhecido como àjé veio à terra. Tal odú também fala sobre como dois Òrìsà masculinos, Obàtálá e Ògún, e um feminino, Òdù, vieram à terra para esculpi-la e moldá-la. Olodumare deu a Obàtálá o poder e maestria de esculpir e a Ògún o poder da metalurgia. À Òdù ele deu o poder de conceber a vida – a ela deu a maternidade e disse que ela era a sustentadora do mundo. Ela deveria sustentar o mundo com uma cabaça específica. Dentro desta cabaça havia um pássaro. Ela declarou que usaria este magnífico àse para lutar contra aqueles que a desrespeitassem e para defender aqueles que a adorassem. Este pássaro era àjé – e Òdú tomando conta deste pássaro se torna Ìyàmí Òsòròngà, que podemos entender o significado como “Minha Misteriosa Mãe; Dona dos Pássaros da Noite”.

E é por isso que Obàtálá afirma o seguinte neste òdú, que anuncia a descida dos pássaros do outro mundo sobre a terra:

Obarisa disse que as pessoas devem sempre respeitar
Grandemente as mulheres
Pois, se eles sempre respeitarem grandemente as mulheres, o mundo
Estará na ordem certa
Prestai homenagem; mostre respeito às mulheres
Decerto, foi a mulher quem nos trouxe à existência
Antes de nos tornarmos reconhecidos como seres humanos
A sabedoria deste mundo pertence às mulheres
Então respeite as mulheres
Seguramente, foram elas quem nos trouxeram
À existência
Antes de nos tornarmos reconhecidos como seres humanos

Naturalmente, o dom da maternidade vem com um intenso campo de variáveis emocionais sensibilizadas que ocorrem durante a menstruação, gestação e menopausa. Estes são os picos das marés aos segredos da maternidade, à raiva e a cólera em seu estado bruto. Por isso, àjés são ‘pássaros’ que habitam, infestam e se alimentam de nossas emoções, sujam ou curam nossa alma. Nisso reside a admoestação em numerosos versos e provérbios de Ifá nos aconselhando – e especialmente os homens – para se prostrar diante de Odú – ou ao útero e à mulher e prestar-lhe respeito, para fazer ipese; o sacrifício que acalma o útero.

É dito que Ìyàmí esteja “sentada sobre Òdù”, que ela esteja coroando os poderes femininos ou que Òdú é uma Ìyàmí. Ela também é referida como Ìyàmí eleye “A Dona dos pássaros” e Ìyà Àgbà “A anciã é respeitável” e Ìyàmí Òsòròngà, que significa “Minha mãe a Poderosa Feiticeira ou Bruxa”. Isso levanta algumas questões controversas, já que a bruxaria é associada tanto com atos anti-sociais, bem como ao poder natural acessível às mulheres e membros das sociedades como egbéeleye e egbé ìmùlè, onde os segredos da manipulação de poderes sobrenaturais são preservados. A bruxaria anti-social decorrente de àjé burúkú é triste, mas há também outro tipo de “bruxa” referida como àjé rere. A diferença é o caráter. A palavra burúkú se refere á tudo o que é mau, quebrado e corrupto. Por exemplo, o termo Orí burúkú significa uma pessoa incapaz de fazer escolhas que sejam boas para ele ou ela, e que são consideradas incômodas e destrutivas para si e para a sociedade.

Rere, por outro lado, é também é usado alternadamente com Ìwá pélé, e refere-se ao estado de contentamento e felicidade, onde o caráter de alguém é bom benevolente para a sociedade e para si. Os comentários do historiador nigeriano Lawal a respeito das mulheres são de que sejam menos fortes fisicamente e assim foram abençoadas com uma forma especial de astúcia, ogbón ayé, que também carrega a conotação de dolo ou malícia. Ainda assim, a importância do caráter e a sustentação de uma consciência calma e boa é a todo o momento enfatizada. Ainda hoje temos provérbios entre os iorubás referentes à influência das àjés como ‘ninhos de pássaros no cabelo da pessoa’. Isso é revelador pelo fato do cabelo carregar um significado simbólico de ser algo indomado e selvagem, que embaraça e deve ser direcionado se a pessoa deseja um crescimento positivo. Por conta disso, o Orí (consciência/cabeça física) muitas vezes é adornado para embelezar o próprio cabelo e moldá-lo com cuidado para decorar o Orí/cabeça, como uma forma de apaziguar e fazer com que a cabeça fique mais calma.

Há outro elemento que deve ser comentado. É o elemento ancestral. Ìyámí é considerada como a ancestral progenitora do sexo feminino, assim como Osó é o progenitor do sexo masculino. Talvez isso signifique que enquanto Ìyámí representa a feminilidade suprema e transcendente, Osó represente estes mesmos pontos para a masculinidade. Osó recebe seu àse do reino de Èsù, identificando tal entidade no reino da mudança e transformação. Pode-se entender, talvez, que Àjé e Osó sejam o mesmo poder essencial, mas compreendidos em duas direções diferentes pelo ritmo natural da criação e que se tornam algo totalmente diferente – como a masculinidade bruta e original e a feminilidade bruta e original. Isso também pode ser visto no reflexo destes cultos, onde Osó está profundamente relacionado ao culto de Orìsà Oko, o orìsà da Fazenda e serve como um juiz e intermediador nos casos de acusação de bruxaria. Ele é considerado como uma força calma e tranqüila, justo e sábio com um profundo conhecimento sobre bruxaria e feitiçaria. Possivelmente se encontra em Osó o homem idealizado espelhado nas formas de Orìsà Oko? Pode-se ver isso pelos pássaros sagrados à Ìyámi e Osó também. Os pássaros de Ìyámí são predadores, enquanto no caso de Osó, o abutre é sagrado, um pássaro que não caça a nada que não seja aquilo que já está morto. Ele não é um predador, mas um purificador. Essa pode ser uma explicação para a respectiva relação ancestral relacionada a essas duas potências espirituais, suas similaridades e diferenças. Ela também se harmoniza com a visão iorubá do cosmos, e nas palavras de Lawal: “como uma interação dinâmica dos opostos, como o céu e a terra, dia e noite, macho e fêmea, físico e metafísico, corpo e alma, dentro e fora, quente e frio, sólido e flexível, esquerda e direita, vida e morte, sucesso e insucesso e assim por diante.”

Há uma crença no Novo Mundo de que há algum tipo de inimizade entre as àjé e Ifá – mas Òrúnmìlà em sua capacidade de grande pacificador entende a necessidade destes poderes e como a abundância de ase pode beneficiar a humanidade. Este mistério está guardado na sociedade de Ogboni, onde a dinâmica tradicional de poder entre a mão esquerda e a mão direita é entendida e usada. Não só isso, mas o peso e a qualidade das cores aqui também são preservados, pois toda a manifestação e seu potencial vêm nas cores vermelho, preto e branco – que são graus de misericórdia, frieza e calor. Em última análise, estamos falando do mistério da tensão emocional e cósmica e como apaziguá-la.

Pode-se perguntar, no entanto, por que é importante entender estes poderes, por que eles são tão essenciais para o trabalho de Ifá, por que essas forças destrutivas estão presentes no mundo. A explicação para tal mistério é maravilhosa e magnífica – e um raio de sua magnificência é encontrado no Òdù Òsá Méjì, onde podemos ler:

Ogbon kan nbe ní kùn omo àsá Ìmóràn kan nbe kìkùn omo àwòdì Òkan nínúù re Okan ninúù mi Okòòkàn níkùn ara wa Sefá fún Òrúnmilà Ifá nlo bá àjémulè Mòrèrè Wón ni nítorìi kìnni Ò ní nìtorì kì nkan òun lègún gègèègè ni

Tradução:

O gavião tem uma sabedoria
O falcão possui um conhecimento
Um em minha mente
Outro na sua mente
Cada um deles em nossas mentes
Estas foram as declarações de Ifá para Òrúnmìlà
quando entraram em uma aliança com as bruxas em Mòrèrè
Elas perguntaram a ele porque ele estava fazendo isso
Ele respondeu que assim seria para que sua vida fosse perfeitamente organizada


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A Calada do Sangue Puro




“Nosso silêncio nunca foi autorização, ‘voucher’ ou conformismo para nenhum peregrino da arte, mas sim, é devido ao que somos, já que nós fazemos a lição de casa!”

Residimos em um tempo indigesto. A ilusão de que o avanço do Conselho de bruxos ‘técnicos’ induziria o desenvolvimento humano enfraqueceu aversões contra a decadência moral da Arte conselheira que impele a cultura bruxa brasileira para um abismo sem fundo.

Desafeto, inveja, concorrência, depauperamento, tortura psicológica, falsidades, misérias, autopromoção, execuções de bulas sem nexo, e manipulações de mentes mais fracas foram tão explorados e banalizados pela indústria do conselho errado que cada vez mais provocam menor comoção entre os legítimos bruxos tradicionais. Se transpassamos uma estação atônita pela moléstia da ‘aconselhagem’ absoluta, ainda é tempo de reconhecer esse mau e olhar em seus olhos com nosso silêncio mágico e absorto.

Não é preciso lembrar a nenhum homem ou mulher de sabedoria que a autopromoção de linhagem fingida com pano de fundo para enganar trouxas é um dos personagens mais marcantes de todos os tempos. Seu surgimento nas telas da internet e youtube, atualmente, causa perplexidade na mesma medida em que provoca a desconfortável comiseração quando se dá admiração por algo grotesco.

Inspirado em episódios autênticos de psicopatia, como os do Luso Ricardo e seu rebanho de pseudo-dragões, apareceu na ficção virtual, pela primeira vez, em 1999, no romance “O Conselho do Dragão Português”, de R. A. Vieira. O ‘longa-metragem’ dura e tornou o grande vencedor do O Oscar no Inferno Chafurde Ante os Dragões sendo premiado nas principais categorias: pior pelota, pior dirigente, melhor comediante, e pior cópia, pois o trajeto foi adaptado. Foi indicado também, nas categorias, pior edição e pior linguagem falada. 


A Fábula, filmada, registrada e repetida por uma Gata amarela e sua companheira Camaleoa de jornada, enfoca os diversos distúrbios de personalidade que ocorre quando uma pessoa se mete a ser bruxa sem o devido acompanhamento de um mestre devidamente iniciado sob os moldes e gnose tradicionais. A jovem cadela camaleã nada tem de loba, uma esperançosa estudante da Arte que busca seu espaço em um ambiente reprimido por homens ‘suspeitos’ que almejam o título de dragões. Sua grande oportunidade advém quando, em meios às averiguações de uma série de trucidamentos virtuais, ela é levada a visitar os artigos dos Bruxos Tradicionais, e tecer críticas desconstrutivas acerca de uma fórmula que até mesmo o Poodle Luso acima citado desconhece.

Aprisionado em um hospício de segurança máxima, (sua própria mente), o pseudo-iniciado Luso é um desenvolvedor de web sites dinâmicos, que clama sua bruxaria de origens obscuras, extremamente incompetente, mas temido por sua abominável inteligência e capacidade de oferecer sites otimizados aos buscadores (SEO) que promete uma melhor posição no ranking do Google, Yahoo, etc., tanto quanto por sua principal característica: o hábito de degustar porções sexuais dos corpos de suas seguidoras. Luso, entretanto, ao mesmo tempo pode se passar por um ‘gentleman’, como é o caso de todo paciente bipolar ou psicótico que almeja  exibir a mais perfeita educação e gentileza enquanto, como mel para abelha, prepara o ambiente, seduzindo os inocentes com sua arte portuguesa, imperceptivelmente, ao local onde serão finalmente iniciados. 

Neste assunto, os detalhes ostentam autoridade superlativa para a construção de todo o clima. Os alertas sobre o perigo que Luso representa, os cuidados com que ele é desmascarado, o retraimento ao qual é submetido em sua cela mental, farpas indiretas trocadas sem qualquer probabilidade de interruptor humano, separação ínfima a ser observada pelos participantes de sua invenção, fluxos de diálogos discretos, tudo colabora para o edifício da articulação na dose exata, com exageros e superficialidades exotéricas, oriundos dessa personagem, nada esotérica de fato.

Claramente que não podemos deslembrar que a cooperação de Luso para com a Maribonda tem um propósito último: conseguir a ajuda de outras tradições para validar a sua própria. É por meio da “troca de favores” que a Maribonda consegue a colaboração de todos. Luso passa a fornecer pequenas pistas (SEO) em troca da possibilidade de melhor fiança de sua tradição inventada.


Mas “A Calada do Sangue Puro”, durante sua proeminência, forneceu muito espaço para reflexões. O confronto é uma aula sobre como manipular as adversidades. O espectador se volta na pele dos tradicionais que, no escuro silencioso, acossa um ‘articida’ armado de más intenções, que tanto pode estar diante do diabo dragão, sem enxergá-lo, e como tal, em busca dele.

Enquanto sob as máscaras de seres humanos os anjos caídos cultivam escrúpulos e valores bruxos tal qual o caráter e rígido código moral, os ‘dementes presas’ são incapazes de concebê-los como parte de seus ensinamentos. O esboço da formação das originalidades e da conduta ética sob os pilares da alquimia é uma das áreas mais fascinantes do conhecimento dado ao homem sábio. Remonta aos primórdios da gnose divina, filosofia antiga e cruza a história. Se por muitos períodos o que prevaleceu foram as inquirições metódicas e especulações, sem fundamentos no pensamento de Sócrates e Platão, não temos culpa desse pseudo-conhecimento tradicional avesso ao tradicionalismo que, inclusive encontra respaldo em segmentos científicos. Há que notar, como diz um dos axiomas Romani, “fácil é tirar leite de vaca que não se mexe”, cansamos de avisar que o papel da bruxa é nada mais que uma auto-transformação infinita, coisa que quem não conhece a receita não pode ter acesso à fórmula exata na hora da feitura.

Para ver a fórmula revelada, clique aqui: Ego Ego Ego

É com esse intuito que apresentei esse ensaio, para que ninguém mais tenha desculpas para não fazer a lição de casa!

Cléber Lupino Haddad