segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Rosh ha Sitan e as transições de Lilith

This post was originally published in The Starry Cave. 




Lilith, originalmente um espírito dos ventos hostis na Penísula Arábica, se tornou uma devoradora de crianças, um súcubo e finalmente uma Rainha dos vampiros. A Primeira mulher de Adão, segundo o ben Sira e uma rainha demoníaca e  hostil, de acordo com o Zohar.

Lilith era um espírito estrangeiro e intruso; encantamentos eram feitos para afastá-la - e anjos eram enviados para pôr fim na procriação de seus lilins. Os mensageiros angelicais tiveram que fazer uma trégua e um acordo – ela estava aqui para ficar. Ela surge a partir de um espírito fadado a morrer, como um dinossauro – no entanto seu legado e proeminência ainda são espalhados por todo o mundo com o desenvolvimento da história. Quanto mais derramamento de sangue  e devastação encontramos, mais encontramos Lilith.

Lilith ascende à proeminência no mundo a partir das sombras das tempestades e dos maus agouros. Ao longo do tempo ela foi associada à  Lua, com Vênus, à mãe dos Djinn e a mãe dos Sidhe (‘fadas’). Ela foi tratada como um súcubo – ou a mãe deles, como um Espectro e uma Feiticeira. Da Suméria e Caldéia ela esticou suas asas sobre Edom, Síria, Arábia e Europa. Blavatsky a viu como uma sombra éterea primordial da sexualidade – e é a partir de sua teosofia que encontramos as idéias modernas que a enxergam como um ícone da mulher reprimida que busca o domínio.

No livro de necromancia intitulado ‘Forbidden Rites’ (Ritos Proibidos, Penn State Uni Press., 1997) Richard Kieckhefer fornece instruções para a criação de um espelho de Lylet ou Lilith. Este espelho deve ser confeccionado  nos dias de Saturno, nas horas de Marte (i.e. o maléfico com maléfico). O gênio daemônico, contudo, é chamado Floron. Floron deve er uma referência a um espírito do verde, sendo floral pelo o nome e, portanto, uma referência ao Jardim do Éden pode ser detectada.

No Lemegeton temos dois candidatos que podem estar lingüisticamente relacionados e, assim, pode ser que Floron seja na verdade ou Flauros (Havres) e/ou Focalor, ambos duques sob os raios de Vênus. Flauros é um duque formidável que surge na forma de um homem-leopardo, e nos diz muito sobre a hoste caída e as condições do mundo antes da queda. Ele é um duque impetuoso e ígneo e pode ser utilizado em trabalhos de vingança. Ele recebe o valor cabalístico de 212, ‘esplendor’. Focalor aparece como um grifo, uma criatura com o corpo de leão e asas de águia. Ele é um espírito do vento que é ligado aos oceanos e mares. Seu valor cabalístico é 342, que significa ‘caminho’. Juntos eles resultam em 554 que é Zorea Zara, ‘carregar a semente’ – conseqüentemente, algo fértil acontece aqui, onde o caminho do esplendor se abre para a semente. Diz-se também que foi prometido a Focalor entrar novamente no céu após mil anos de servidão, – mas no final a entrada foi negada.

Então, o próprio espelho é um produto dos duques do Lemegeton, um espelho de Vênus. Porém, este espelho de Vênus deve ser produzido quando os dois maléficos, Marte e Saturno estão fortes – ou para trabalhos benevolentes quando Júpiter e Saturno são encontrados em bons aspectos entre si. Além disso, Flauros é um demônio de Capricórnio enquanto Focalor é um demônio de Touro – e Touro é o signo que detém a estrela Algol na constelação de Perseu. Assim como Medusa procurou refúgio em uma caverna, Lilith procurou refúgio numa caverna no mar vermelho.

Encontramos sua mais recente interpretação na série ‘True Blood’ da HBO. Aqui Lilith surge de poças de sangue causados pela intoxicação de seus lilins que entram em uma sede de sangue frenética – e ela mesma traz dispersão e devastação em uma estranha sedução em seus filhos. Talvez esta visão seja a mais precisa na percepção de sua natureza. Trata-se de dominação, de êxtase, de frustração. Lilith é sexual, mas ela está muito mais relacionada com a frustração da liberação tardia da sexualidade, atípica da tradição vama marg da prática tântrica kaula do que um com um florescente jardim de delícias sexuais. Assim como a lua negra astrológica – a ela associada – é um ponto matemático no espaço, ela também é um estado mental semelhante ao que é conhecido no BSDM como ‘subestado’.

Ela não é um poder restrito à ordem estabelecida pelos homens e, portanto, ela sempre escapa de qualquer rótulo e qualquer tentativa de colocá-la em uma caixa racional nítida de clareza e identidade. No momento em que isso acontece, ela se liberta e declara que ela é diferente disso.

Como o mundo neo-pagão está crescendo, a veneração de Lilith como um daimon da sexualidade e poderes femininos também tem visto um crescimento. Apesar de nunca ter sido um daimon da fertilidade ou da maternidade, ela é cada vez mais tratada como tal. Ela é vista como uma salvadora de mulheres reprimidas, e talvez nisto ela tenha uma função benevolente. Mas isto não é ela; ela é muito mais…

Lilith passou por uma transição nos dias modernos que é muito semelhante ao que encontramos na astrologia, considerando a natureza da oitava casa e o signo de Escorpião. A astrologia moderna vê a casa 8 regida por Escorpião e vê Escorpião como o impulso sexual primordial. A astrologia clássica vê o signo de Escorpião regido por Marte,  um signo escuro e úmido que é intuitivo e sedento pela morte. Sua sexualidade está em conformidade com instintos primordiais de sobrevivência e procriação, como ocorre na maioria dos anfíbios. A oitava casa é em si um local onde morte – e conseqüentemente heranças são lidas e previstas. Na oitava casa Saturno encontra seu júbilo e é aqui que todo maléfico se une na luxúria anfíbia dos crocodilos, víboras e escorpiões…

Então, certamente, Lilith é um daimon sexual, mas seu luxúria erótica é o da noite e das sombras. Na verdade, ela é a erva venenosa  e a cabeça da Medusa – ela está além dos planetas, ela é Algol – e aqui na terra, tais questões estelares se manifestam como  terror. Ela não  gentil, ela era a esposa de Samael, o veneno de Deus, e era a árvore proibida, o próprio contrapeso. Ela era a mãe dos amaldiçoados, aqueles que foram chamados de bruxos e feiticeiros por aqueles que não conseguiram entendê-La, nem aos seus filhos.


Ela é verdadeira  e profundamente ligada com a estrela Algol ou al-ghûl – nomeada assim dada a classe de djinns de mesmo nome. Tal estrela é encontrada no heléboro e nos diamantes. É distintivamente saturnina, mas exaltada quando Marte está ascendendo. O impulso de Vênus está relacionado a graça feminina, ao velar dos diamantes no heléboro para deflagrar vingança ou caos...

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Lilith Mashkim Ninanna

This article has been firstly publicated in The Starry Cave. Click here to read the original post, in english.




As idéias neopagãs contemporâneas de Lilith tendem a vê-la como um tipo de espírito de regozijo extático e potência sexual feminina. Na mesma linha, há também tentativas de mesclagem de Lilith com Belili e Baalat, dado o motivo de ambos os nomes se referirem a uma ‘bela donzela’. De fato, esses epitáfios remetem a Astarte-Ishtar como a Rainha destes espíritos inquietos e perturbadores.

Lilith, em si, é um espírito verdadeiramente perigoso, a Rainha dos lilins — sendo ela própria a filha eclíptica de Ishtar. Lilith é a volátil potência venusiana equilibrada em si, porém, propensa a semear desarmonia e frustração. Ela é uma protetora-bruxa, mas também é uma mãe que se alimenta dos seus. O mistério dela fala do princípio antes dos inícios e sua graça é medo e lágrimas. Sua amabilidade são os buracos negros de estrelas que explodem...

Se observarmos os textos ugaríticos a nossa disposição, como Maqlû e, claro, a história de Gilgamesh, o que surgirá é que  Astarte-Ishtar é na verdade a Rainha das ‘belas donzelas’ — das hostis, bem como das benevolentes — pois elas integralizam a sua totalidade.

Lilith, assim como Astarte-Ishtar, dispõe de asas. A presença de asas sugere várias questões; sendo uma delas a relação com os ventos e a conexão com o Mundo Inferior, sendo outra. O último motivo é encontrado no poema da descida de Ishtar ao Mundo inferior, onde lemos que os habitantes estão ‘vestidos como pássaros, com asas como indumentária’. Há, para os espíritos e divindades possuidores de asas, uma agilidade para se mover entre estados e reinos.

Demônios femininos em geral possuem asas e, neste caso, os ventos possuem importância primordial. Na Mesopotâmia os ventos e seus espíritos foram de grande importância. Os ventos traziam presságios, bênçãos, demônios — e doenças. Um vento frio no norte durante a noite seria julgado como mau agouro, assim como uma brisa fresca do leste durante o dia poderia ser visto como uma hoste de espíritos bem-vindos soprando sobre a terra. O Maqlû fala de Ardat-lili como uma ‘mulher de gelo’ e Lilith sendo um vento gelado do norte. Encontramos aqui os espíritos lilin definidos pelos ventos gélidos, frios e noturnos. Todos nós testemunhamos ventos frios que sopram durante a noite, que curvam os galhos das árvores e geram certa atmosfera de ameaça e perigo. Estes são os ventos das asas de Lilith, quando ela procura uma porta ou janela que possa lhe acolher.

Alguns dizem que Lilith gerou a lua — mas isso é incorreto, pois os lilin são espíritos que carregam os ventos da Vênus noturna. Eles florescem na luz lunar — o olho divino que os espreita, observa, cuida — mas a idéia de que Lilith é uma deusa lunar é muito provavelmente incorreta, mesmo que as belas donzelas banhem-se nas águas prateadas da lua...

Ela é a bela donzela que domina leões, como Astarte-Ishtar — este tema carrega um significado profundo — e um deles é o do espírito que domina os poderes da coroa da realeza. Podemos compreender isso ao assumir Astarte-Ishtar como se fosse os poderes na coroa real e lilin como forças que a suportam — e no caso de rebelião, atacam. Isto significa que os efeitos nocivos de lilin em nossa vida são sempre uma conseqüência do acolhimento destes espíritos ao permitir que ‘o leão se torne selvagem’...


Nos textos ugaríticos disponíveis, encontramos a palavra KI-SIKIL-LIL-LA, mencionado como um chamado à ‘bela donzela’. Na verdade, esta é uma palavra de poder replicando a natureza mágica no crujar da coruja. Vemos este encantamento ou partes (Kilili) dele sendo utilizados em referência ao espírito Orina lili que se diz ser a ‘rainha na janela’, utilizado tanto para apaziguar este espírito quanto para afastá-lo. Uma pessoa doente ao ver uma coruja em sua janela pode ter certeza que está sendo visitado por lilins e pode utilizar a janela para recitar contra-conjurações para expulsar os espíritos da doença. A doença implícita apoiaria mais a conexão com o Mundo Inferior e o reino da Morte.

Não é incomum ver Lilith sendo referida como uma deusa protetora, uma força de regozija extático. Em relação a tal natureza exultante de Lilith, observaremos um texto ugarítico que fala da variedade de demônios femininos e influências hostis e ver como ela é percebida:

3. Em todo mal, tua fórmula é vida, ó Marduk...
6. Na rua, eles (os demônios) são produzidos pela Terra...
7. ... tudo o que é mal, toda coisa nociva,
8. toda coisa mortal... ao Mundo Inferior retorna
10. Todo mal, toda doença, que em tua carne ou em teus músculos é encontrado
11. que o Encantador dos deuses, para que o Sábio asalluhi, de teu corpo pudesse criá-los...
16. Muitos são seus males: eu não conheço todos os seus nomes. Eles são
conjurados...
20. Ea os criou, a Terra fez com que eles crescessem grandemente
22. a vermelhidão-nociva, a amarelidão-maligna, a ahhazu,
23. ... a febre, almu e allamu, a enxaqueca e a dor de cabeça
26. a alu malfazeja...
27. a sassatu, a astu,
28. a labasu e a ahhazu, a hayattu, a ardat-lili
29. e a lilitu, o catarro e a gripe

Como vemos, Lilith é mencionada juntamente com uma hoste de espíritos que são hostis ao bem-estar do ser humano, e a seguir também encontramos espíritos como Namtar, epidemias, e Unna, febre, mencionados como ventos demoníacos.

Espíritos como Lilith, Lamasthu, Agrat e Mahlat são todos vistos como espíritos que estão ‘andando ao redor da casa’ e que tentam entrar no lar e causar a morte prematura de homens e crianças – ou um abatimento geral da alma e espírito — especialmente dos homens. Estamos falando do fenômeno que conhecemos como succubi.

Ao falar de Lilith e Ardat-lili, elas estão em nossos textos referidas pela mesma palavra, ou seja, o epitáfio de Ishtar, Kilili — e vistas como uma coruja sentada na janela. Diz-se que estas corujas sentadas na janela incitam as donzelas a deixarem os aposentos para se alimentarem dos homens. Estes espíritos são virgens agressivas, como narrado em um texto traduzido por Landsberger, em 1968:

Donzela, que (diferente)como outras mulheres nenhum homem fecundou,,
Donzela, que (diferente)como outras mulheres nenhum homem desflorou, ,
Donzela, que no colo de um marido não teve sua sexualidade tocada,
Donzela, que no colo de um marido não retirou suas vestes,
Donzela, cujo broche nunca foi desprendido por um belo homem
Donzela, em cujos seios nunca houve (qualquer) leite.


Como vemos, ela é uma predadora sexual — traduzida no poder da frustração sexual. É interessante observar que Astarte-Ishtar, ao compartilhar a palavra Kilili com os espíritos Lilù e Lilith revela uma conexão encontrada nos pássaros noturnos. Em Maqlû 3 também encontramos Ištaritu (devotos de Ishtar) entre as pessoas com a reputação de dominar as artes da feitiçaria e bruxaria.

É aqui, onde Astarte-Ishtar e Lilith afluem em Uma, onde encontramos a potência sexual em pleno esplendor. Aqui elas são a centelha erótica que penetra os sonhos e eclipsa o Sol – como as succubi que seduzem sob uma lua negra e a divindade que torna a terra e a carne férteis. Lilith é em si o frenesi da frustração sexual, as frias brasas das estrelas mortas e a memória do sangue sobre o fogo levado nas noitesde vento frio, onde os ramos das árvores que arranham as vidraças te seduzem a abri-las...

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Tradição, Verdade & Labor



This text was originally written in english and posted in The Starry Cave. Our english untamed readers may read the original text clicking here.


Tradição, Verdade & Labor


A idéia de ‘tradição’ está sujeita a uma variedade de interpretações — e isso não é surpreendente, dado os vários campos da atividade humana nos quais vemos esta palavra utilizada. Podemos falar de uma receita de queijo tradicional pela mera virtude de ser passada por gerações. Há uma sucessão estendida ao longo do tempo que passa adiante dado conhecimento. Neste sentido, qualquer coisa que virtualmente passou pela história pode ser entendida como tradicional.

Quando falamos de tradição em relação a culto, fé e doutrina — quando nos aventuramos dentro dos campos do sagrado e das cavernas de mistério, uma determinada visão de mundo é que está sujeita a sucessão ou transmissão.

A visão de mundo tradicional é geralmente chamada de perene e replica uma visão de mundo encantada, típica para a era pré-moderna, onde o visível e o invisível compartilhavam do mesmo espaço. A exposição mais clara da doutrina tradicional, neste sentido, é encontrada em Platão e seus sucessores neoplatônicos; poderíamos falar de uma sucessão filosófica que remonta ao início dos tempos — mas com uma referência comum em Platão e o mundo das Idéias.

O início do tempo marca a divisão entre a Era de Saturno, a era de ouro que antecede a Júpiter estabelecendo leis e o tempo. Lei e tempo existem como base para a visão de mundo moderna — ou paradigma moderno, caso prefira. A Lei se manifesta na demanda por ordem, simetria, dualidade e taxonomias normativas em qualquer campo da atividade humana, em todos os domínios possíveis. Taxonomias são naturalmente heurísticas úteis para se movimentar no mundo, mas, basicamente, a taxonomia é apenas uma tentativa de exegese descritiva daquilo que uma coisa ou objeto possa ser. Estas descrições são sempre conferidas em relação a um posicionamento específico no tempo — onde a pessoa que faz o processo descritivo é em si um produto do tempo, história, cultura e geografia. Por isso a taxonomia tende a estabelecer o mesmo a partir do outro, isolar algo ao rejeitar sua ligação com outras coisas.

A ordenação tradicional se diferencia da taxonomia moderna por estar enraizada nas idéias, princípios eternos que podem se manifestar em incontáveis variações. Ao invés de descrever uma manifestação em relação a outros objetos e coisas manifestas, ordem busca revelar a origem, a natureza essencial do manifesto. É uma visão baseada na percepção vertical e não na percepção horizontal tão típica das leis e tempo que regem a era moderna.

Isto significa que a tradição, a fim de ser tradicional em um contexto sagrado, deve estar arraigada em uma conexão com a fonte e as idéias eternas. Isto vem com uma hierarquia muitas vezes apresentada como uma corrente dourada do ser, onde a mente pura emana idéias eternas até atingir a manifestação. A manifestação é um complexo, pois todas as coisas manifestas são compostas de várias idéias — no entanto, com uma essência inerente que lhes dão um sentido particular.

A visão de mundo tradicional é como o pólo situado em uma visão cósmica e na compreensão de todas as coisas emanando do Um, e finalmente, criando o vasto campo da experiência humana. A experiência humana é um binário. Ao andarmos pelo mundo da experiência, também estamos gerando o nosso próprio mundo interno. Há dois planos diferentes — mas certamente nosso mundo interno evoca as idéias eternas, ainda que na forma de uma mistura, um agrupamento. A bússola para organizar nosso mundo interno é a psique ou alma, e eros. A alma é a extensão divina em todos os seres humanos e eros é a própria força da criação manifesta no amor, avidez, atração e rejeição.

Nosso mundo interior é novamente um binário — ou melhor, uma encruzilhada — pois é mediada pela a alma que encontramos em um dado conjunto de predisposições no organismo humano e no momento que temos a nossa primeira respiração, quando somos confrontados com um ambiente e mundo único. Nossa alma divina e as faíscas da vida interior começam sua jornada em direção a autodescoberta.

A jornada humana, com todo o seu amargor e dulçor, rejeição e atração, amor e miséria, é o que faz a nossa condição humana. Temas gnósticos típicos vêem o mundo da matéria como uma prisão, ou como o próprio Inferno. Também pode ser visto como uma aventura, onde qualquer um se torna herói e tolo, ou como uma piada cósmica. Não importa qual idéia abraçamos para vincular a tela da experiência humana, a condição permanece — e com esta a jornada rumo ao Self.

Tal jornada está nas premissas tradicionais, feita com o auxílio do coração ligado à fonte e uma alma acompanhada por daimons. Esta jornada é para o homem moderno uma corrida de ambição e depressão, onde o propósito é visto na aclamação e aceitação social. Não existe conflito per se nisto, exceto que o homem e a mulher tradicional saberão por que as escolhas são feitas e as estradas são tomadas e não buscarão a ambição pela ambição — mas porque isto era o que estava reservado pelo o seu próprio Destino.

Há uma aceitação da doutrina sagrada e ordem celestial na perspectiva tradicional, uma certa humildade diante da Verdade que pode provocar o presumível orgulho do espírito da modernidade, que descarta o Destino e o Caminho em favor da ambição e da auto-glorificação. Em vez de encontrar seu Self, há uma tendência de se criar um Self que só possui um valor temporal, passageiro, vazio de uma virtude eterna.

Uma perspectiva tradicional terá o foco na Verdade — a Verdade em si como algo dinâmico e ativo, e muito pouco das taxonomias modernas que visam a separação e oposição. A Verdade é sempre Uma — e possui muitos raios e radiações, pois a natureza da Verdade é entender pela virtude da sabedoria, e sabedoria é o que move as idéias eternas. E ao fim somos deixados nas Encruzilhadas da vida, com as cadeias de escolhas que nos aproxima do Self ou se afastam dele. Sobre estas duas perspectivas e seus paradoxos, William Blake diz o seguinte:

Uma Imagem Divina

A Crueldade tem um coração humano,
E a Inveja uma face humana;
O Terror, a divina forma humana,
E o Segredo a roupa humana.

A roupa humana é forjada de ferro,
A forma humana é de fogo forjada,
A face humana estabelecida em um forno,
O coração humano em uma garganta faminta.

Eternidade

Aquele que se prende ao prazer
Destrói a alada vida;
Mas aquele que beija o prazer enquanto ela voa
Vive no alvorecer da eternidade.