sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Tradição, Verdade & Labor



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Tradição, Verdade & Labor


A idéia de ‘tradição’ está sujeita a uma variedade de interpretações — e isso não é surpreendente, dado os vários campos da atividade humana nos quais vemos esta palavra utilizada. Podemos falar de uma receita de queijo tradicional pela mera virtude de ser passada por gerações. Há uma sucessão estendida ao longo do tempo que passa adiante dado conhecimento. Neste sentido, qualquer coisa que virtualmente passou pela história pode ser entendida como tradicional.

Quando falamos de tradição em relação a culto, fé e doutrina — quando nos aventuramos dentro dos campos do sagrado e das cavernas de mistério, uma determinada visão de mundo é que está sujeita a sucessão ou transmissão.

A visão de mundo tradicional é geralmente chamada de perene e replica uma visão de mundo encantada, típica para a era pré-moderna, onde o visível e o invisível compartilhavam do mesmo espaço. A exposição mais clara da doutrina tradicional, neste sentido, é encontrada em Platão e seus sucessores neoplatônicos; poderíamos falar de uma sucessão filosófica que remonta ao início dos tempos — mas com uma referência comum em Platão e o mundo das Idéias.

O início do tempo marca a divisão entre a Era de Saturno, a era de ouro que antecede a Júpiter estabelecendo leis e o tempo. Lei e tempo existem como base para a visão de mundo moderna — ou paradigma moderno, caso prefira. A Lei se manifesta na demanda por ordem, simetria, dualidade e taxonomias normativas em qualquer campo da atividade humana, em todos os domínios possíveis. Taxonomias são naturalmente heurísticas úteis para se movimentar no mundo, mas, basicamente, a taxonomia é apenas uma tentativa de exegese descritiva daquilo que uma coisa ou objeto possa ser. Estas descrições são sempre conferidas em relação a um posicionamento específico no tempo — onde a pessoa que faz o processo descritivo é em si um produto do tempo, história, cultura e geografia. Por isso a taxonomia tende a estabelecer o mesmo a partir do outro, isolar algo ao rejeitar sua ligação com outras coisas.

A ordenação tradicional se diferencia da taxonomia moderna por estar enraizada nas idéias, princípios eternos que podem se manifestar em incontáveis variações. Ao invés de descrever uma manifestação em relação a outros objetos e coisas manifestas, ordem busca revelar a origem, a natureza essencial do manifesto. É uma visão baseada na percepção vertical e não na percepção horizontal tão típica das leis e tempo que regem a era moderna.

Isto significa que a tradição, a fim de ser tradicional em um contexto sagrado, deve estar arraigada em uma conexão com a fonte e as idéias eternas. Isto vem com uma hierarquia muitas vezes apresentada como uma corrente dourada do ser, onde a mente pura emana idéias eternas até atingir a manifestação. A manifestação é um complexo, pois todas as coisas manifestas são compostas de várias idéias — no entanto, com uma essência inerente que lhes dão um sentido particular.

A visão de mundo tradicional é como o pólo situado em uma visão cósmica e na compreensão de todas as coisas emanando do Um, e finalmente, criando o vasto campo da experiência humana. A experiência humana é um binário. Ao andarmos pelo mundo da experiência, também estamos gerando o nosso próprio mundo interno. Há dois planos diferentes — mas certamente nosso mundo interno evoca as idéias eternas, ainda que na forma de uma mistura, um agrupamento. A bússola para organizar nosso mundo interno é a psique ou alma, e eros. A alma é a extensão divina em todos os seres humanos e eros é a própria força da criação manifesta no amor, avidez, atração e rejeição.

Nosso mundo interior é novamente um binário — ou melhor, uma encruzilhada — pois é mediada pela a alma que encontramos em um dado conjunto de predisposições no organismo humano e no momento que temos a nossa primeira respiração, quando somos confrontados com um ambiente e mundo único. Nossa alma divina e as faíscas da vida interior começam sua jornada em direção a autodescoberta.

A jornada humana, com todo o seu amargor e dulçor, rejeição e atração, amor e miséria, é o que faz a nossa condição humana. Temas gnósticos típicos vêem o mundo da matéria como uma prisão, ou como o próprio Inferno. Também pode ser visto como uma aventura, onde qualquer um se torna herói e tolo, ou como uma piada cósmica. Não importa qual idéia abraçamos para vincular a tela da experiência humana, a condição permanece — e com esta a jornada rumo ao Self.

Tal jornada está nas premissas tradicionais, feita com o auxílio do coração ligado à fonte e uma alma acompanhada por daimons. Esta jornada é para o homem moderno uma corrida de ambição e depressão, onde o propósito é visto na aclamação e aceitação social. Não existe conflito per se nisto, exceto que o homem e a mulher tradicional saberão por que as escolhas são feitas e as estradas são tomadas e não buscarão a ambição pela ambição — mas porque isto era o que estava reservado pelo o seu próprio Destino.

Há uma aceitação da doutrina sagrada e ordem celestial na perspectiva tradicional, uma certa humildade diante da Verdade que pode provocar o presumível orgulho do espírito da modernidade, que descarta o Destino e o Caminho em favor da ambição e da auto-glorificação. Em vez de encontrar seu Self, há uma tendência de se criar um Self que só possui um valor temporal, passageiro, vazio de uma virtude eterna.

Uma perspectiva tradicional terá o foco na Verdade — a Verdade em si como algo dinâmico e ativo, e muito pouco das taxonomias modernas que visam a separação e oposição. A Verdade é sempre Uma — e possui muitos raios e radiações, pois a natureza da Verdade é entender pela virtude da sabedoria, e sabedoria é o que move as idéias eternas. E ao fim somos deixados nas Encruzilhadas da vida, com as cadeias de escolhas que nos aproxima do Self ou se afastam dele. Sobre estas duas perspectivas e seus paradoxos, William Blake diz o seguinte:

Uma Imagem Divina

A Crueldade tem um coração humano,
E a Inveja uma face humana;
O Terror, a divina forma humana,
E o Segredo a roupa humana.

A roupa humana é forjada de ferro,
A forma humana é de fogo forjada,
A face humana estabelecida em um forno,
O coração humano em uma garganta faminta.

Eternidade

Aquele que se prende ao prazer
Destrói a alada vida;
Mas aquele que beija o prazer enquanto ela voa
Vive no alvorecer da eternidade.

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