terça-feira, 20 de novembro de 2012

Lilith Mashkim Ninanna

This article has been firstly publicated in The Starry Cave. Click here to read the original post, in english.




As idéias neopagãs contemporâneas de Lilith tendem a vê-la como um tipo de espírito de regozijo extático e potência sexual feminina. Na mesma linha, há também tentativas de mesclagem de Lilith com Belili e Baalat, dado o motivo de ambos os nomes se referirem a uma ‘bela donzela’. De fato, esses epitáfios remetem a Astarte-Ishtar como a Rainha destes espíritos inquietos e perturbadores.

Lilith, em si, é um espírito verdadeiramente perigoso, a Rainha dos lilins — sendo ela própria a filha eclíptica de Ishtar. Lilith é a volátil potência venusiana equilibrada em si, porém, propensa a semear desarmonia e frustração. Ela é uma protetora-bruxa, mas também é uma mãe que se alimenta dos seus. O mistério dela fala do princípio antes dos inícios e sua graça é medo e lágrimas. Sua amabilidade são os buracos negros de estrelas que explodem...

Se observarmos os textos ugaríticos a nossa disposição, como Maqlû e, claro, a história de Gilgamesh, o que surgirá é que  Astarte-Ishtar é na verdade a Rainha das ‘belas donzelas’ — das hostis, bem como das benevolentes — pois elas integralizam a sua totalidade.

Lilith, assim como Astarte-Ishtar, dispõe de asas. A presença de asas sugere várias questões; sendo uma delas a relação com os ventos e a conexão com o Mundo Inferior, sendo outra. O último motivo é encontrado no poema da descida de Ishtar ao Mundo inferior, onde lemos que os habitantes estão ‘vestidos como pássaros, com asas como indumentária’. Há, para os espíritos e divindades possuidores de asas, uma agilidade para se mover entre estados e reinos.

Demônios femininos em geral possuem asas e, neste caso, os ventos possuem importância primordial. Na Mesopotâmia os ventos e seus espíritos foram de grande importância. Os ventos traziam presságios, bênçãos, demônios — e doenças. Um vento frio no norte durante a noite seria julgado como mau agouro, assim como uma brisa fresca do leste durante o dia poderia ser visto como uma hoste de espíritos bem-vindos soprando sobre a terra. O Maqlû fala de Ardat-lili como uma ‘mulher de gelo’ e Lilith sendo um vento gelado do norte. Encontramos aqui os espíritos lilin definidos pelos ventos gélidos, frios e noturnos. Todos nós testemunhamos ventos frios que sopram durante a noite, que curvam os galhos das árvores e geram certa atmosfera de ameaça e perigo. Estes são os ventos das asas de Lilith, quando ela procura uma porta ou janela que possa lhe acolher.

Alguns dizem que Lilith gerou a lua — mas isso é incorreto, pois os lilin são espíritos que carregam os ventos da Vênus noturna. Eles florescem na luz lunar — o olho divino que os espreita, observa, cuida — mas a idéia de que Lilith é uma deusa lunar é muito provavelmente incorreta, mesmo que as belas donzelas banhem-se nas águas prateadas da lua...

Ela é a bela donzela que domina leões, como Astarte-Ishtar — este tema carrega um significado profundo — e um deles é o do espírito que domina os poderes da coroa da realeza. Podemos compreender isso ao assumir Astarte-Ishtar como se fosse os poderes na coroa real e lilin como forças que a suportam — e no caso de rebelião, atacam. Isto significa que os efeitos nocivos de lilin em nossa vida são sempre uma conseqüência do acolhimento destes espíritos ao permitir que ‘o leão se torne selvagem’...


Nos textos ugaríticos disponíveis, encontramos a palavra KI-SIKIL-LIL-LA, mencionado como um chamado à ‘bela donzela’. Na verdade, esta é uma palavra de poder replicando a natureza mágica no crujar da coruja. Vemos este encantamento ou partes (Kilili) dele sendo utilizados em referência ao espírito Orina lili que se diz ser a ‘rainha na janela’, utilizado tanto para apaziguar este espírito quanto para afastá-lo. Uma pessoa doente ao ver uma coruja em sua janela pode ter certeza que está sendo visitado por lilins e pode utilizar a janela para recitar contra-conjurações para expulsar os espíritos da doença. A doença implícita apoiaria mais a conexão com o Mundo Inferior e o reino da Morte.

Não é incomum ver Lilith sendo referida como uma deusa protetora, uma força de regozija extático. Em relação a tal natureza exultante de Lilith, observaremos um texto ugarítico que fala da variedade de demônios femininos e influências hostis e ver como ela é percebida:

3. Em todo mal, tua fórmula é vida, ó Marduk...
6. Na rua, eles (os demônios) são produzidos pela Terra...
7. ... tudo o que é mal, toda coisa nociva,
8. toda coisa mortal... ao Mundo Inferior retorna
10. Todo mal, toda doença, que em tua carne ou em teus músculos é encontrado
11. que o Encantador dos deuses, para que o Sábio asalluhi, de teu corpo pudesse criá-los...
16. Muitos são seus males: eu não conheço todos os seus nomes. Eles são
conjurados...
20. Ea os criou, a Terra fez com que eles crescessem grandemente
22. a vermelhidão-nociva, a amarelidão-maligna, a ahhazu,
23. ... a febre, almu e allamu, a enxaqueca e a dor de cabeça
26. a alu malfazeja...
27. a sassatu, a astu,
28. a labasu e a ahhazu, a hayattu, a ardat-lili
29. e a lilitu, o catarro e a gripe

Como vemos, Lilith é mencionada juntamente com uma hoste de espíritos que são hostis ao bem-estar do ser humano, e a seguir também encontramos espíritos como Namtar, epidemias, e Unna, febre, mencionados como ventos demoníacos.

Espíritos como Lilith, Lamasthu, Agrat e Mahlat são todos vistos como espíritos que estão ‘andando ao redor da casa’ e que tentam entrar no lar e causar a morte prematura de homens e crianças – ou um abatimento geral da alma e espírito — especialmente dos homens. Estamos falando do fenômeno que conhecemos como succubi.

Ao falar de Lilith e Ardat-lili, elas estão em nossos textos referidas pela mesma palavra, ou seja, o epitáfio de Ishtar, Kilili — e vistas como uma coruja sentada na janela. Diz-se que estas corujas sentadas na janela incitam as donzelas a deixarem os aposentos para se alimentarem dos homens. Estes espíritos são virgens agressivas, como narrado em um texto traduzido por Landsberger, em 1968:

Donzela, que (diferente)como outras mulheres nenhum homem fecundou,,
Donzela, que (diferente)como outras mulheres nenhum homem desflorou, ,
Donzela, que no colo de um marido não teve sua sexualidade tocada,
Donzela, que no colo de um marido não retirou suas vestes,
Donzela, cujo broche nunca foi desprendido por um belo homem
Donzela, em cujos seios nunca houve (qualquer) leite.


Como vemos, ela é uma predadora sexual — traduzida no poder da frustração sexual. É interessante observar que Astarte-Ishtar, ao compartilhar a palavra Kilili com os espíritos Lilù e Lilith revela uma conexão encontrada nos pássaros noturnos. Em Maqlû 3 também encontramos Ištaritu (devotos de Ishtar) entre as pessoas com a reputação de dominar as artes da feitiçaria e bruxaria.

É aqui, onde Astarte-Ishtar e Lilith afluem em Uma, onde encontramos a potência sexual em pleno esplendor. Aqui elas são a centelha erótica que penetra os sonhos e eclipsa o Sol – como as succubi que seduzem sob uma lua negra e a divindade que torna a terra e a carne férteis. Lilith é em si o frenesi da frustração sexual, as frias brasas das estrelas mortas e a memória do sangue sobre o fogo levado nas noitesde vento frio, onde os ramos das árvores que arranham as vidraças te seduzem a abri-las...

Nenhum comentário:

Postar um comentário